16 JUN 2020 PUBLICAÇÃO

“Estavam cansadas e abatidas como ovelhas que não tem pastor” (Mt 9, 36)

Mateus no evangelho do 11º domingo do tempo comum, Ano A, diz que “Jesus vendo as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam cansadas e abatidas como ovelhas que não tem pastor” (9, 36).

Podemos nos perguntar: quem são as ovelhas cansadas e abatidas, sem pastor, em nossas arquidioceses, dioceses, prelazias, paróquias, comunidades, no Brasil, em nossos Estados e em nossos Municípios que precisam de nossa compaixão?

Apresentamos abaixo uma lista de algumas destas “ovelhas”, a partir da realidade da Prelazia de Itacoatiara – Amazonas, onde vivo minha vocação e meu serviço na Igreja. Entre parênteses apresento a ação pastoral solidária de nossa Igreja junto a estas pessoas cansadas e abatidas de nossos dias. Com certeza cada pessoa que ler este artigo irá completar ou diminuir esta lista, de acordo com a sua realidade.

> Crianças pobres (Pastoral da Criança);

> Enfermos (Pastoral da Saúde);

> Pessoas afetadas pela AIDS (Pastoral da AIDS);

> Encarcerados (Pastoral Carcerária);

> Ribeirinhos, Quilombolas e Pequenos Agricultores (CPT – Comissão Pastoral da Terra);

> Vítimas do Tráfico de Pessoas (Rede um Grito pela Vida);

> Vítimas da Exploração Sexual (Rede um Grito pela Vida e IÇA Caritas);

> Dependentes químicos e seus familiares (Pastoral da Sobriedade e Fazenda da Esperança);

> Pessoas em Situação de Rua (Pastoral da Pessoa em Situação de Rua);

> Desempregados e subempregados (Caritas);

> Idosos abandonados (Pastoral da Pessoa Idosa);

> Afetados pela falta de cuidado dos poderes públicos (Grupos de Fé, Política e Cidadania e Conselho do Laicato);

> Povos Indígenas (CIMI – Conselho Indigenista Missionário);

> Atingidos pelos desmatamentos, queimadas e barragens (Pastoral da Ecologia Integral);

> Atingidos pela pesca predatória e pelo turismo ecológico (CPP – Conselho Pastoral dos Pescadores);

> Migrantes (Serviço Pastoral dos Migrantes e Caritas).

Neste sentido de se ter compaixão, podemos lembrar o que disse São João Paulo II na Carta Apostólica para o Ano da Eucaristia (2004/2005):

“A Eucaristia não é expressão de comunhão apenas na vida da Igreja; é também projeto de solidariedade em prol da humanidade inteira” (nº 27).

“Não podemos iludir-nos: do amor mútuo e, em particular, da solicitude por quem passa necessidade, seremos reconhecidos como verdadeiros discípulos de Cristo (cf. Jo 13,35; Mt 25,31-46). Com base neste critério, será comprovada a autenticidade das nossas celebrações eucarísticas” (nº 28).

Nossa compaixão/solidariedade para com as pessoas que se encontram “cansadas e abatidas”, que estão passando pela privação dos bens necessários para uma vida digna e pela falta de cuidado, carinho e proteção, que estão sofrendo ameaças de

morte ou ameaças de perda de direitos, será a forma mais autêntica de comprovarmos a autenticidade de nossas celebrações eucarísticas.

No sentido de celebrações eucarísticas autênticas, vejamos o que disse São João Crisóstomo (séculos IV/V):

“Que proveito haveria, se a mesa de Cristo está coberta de taças de ouro e ele próprio morre de fome? Sacia primeiro o faminto e depois, do que sobrar, adorna a sua mesa… Enquanto adornas a casa, não desprezes o irmão aflito, pois é mais precioso que o templo” (III LH, pp. 154-155).

A Carta de conclusão do 15º Congresso Eucarístico Nacional, realizado em Florianópolis – SC), no ano de 2006, afirma:

“Na Eucaristia descobrimos nossa missão de construir uma sociedade de justiça e igualdade, onde os pobres, prediletos de Deus Pai e de Jesus de Nazaré, sejam postos no primeiro lugar”.

A Semana do Migrante de 2020 tem como Tema “Migração e Acolhida” e como Lema “Onde está o teu irmão, a tua irmã”. O que é dito para nosso serviço aos Migrantes, vale para todos os outros grupos de pessoas em vulnerabilidade. Ou seja, todos as pessoas cansadas e abatidas precisam ser acolhidas e devemos sempre nos deixar questionar pela pergunta de Deus a Caim: “Onde está o teu irmão?”. E jamais, poderemos cair na tentação de responder como Caim: “Não sei! Acaso sou o guarda de meu irmão?” (Gn 4, 9).

A parábola do julgamento final em Mateus, ensina que Jesus condicionou nossa entrada no Reino ao socorro dado aos “cansados e abatidos”, vendo neles o próprio Jesus (25, 31-46).

A Mensagem do Papa Francisco para o 4º Dia Mundial dos Pobres. que vamos celebrar em 15 de novembro, que ele divulgou ontem, Memória de Santo Antônio, tem como título “Estende a tua mão ao pobre” (Eclo 7, 36). Estender a mão ao pobre é ter compaixão de quem está cansado e abatido. Diz o Papa Francisco:

“A oração a Deus e a solidariedade com os pobres são inseparáveis… O tempo que se deve dedicar à oração não pode tornar-se, jamais, uma justificativa para descuidarmos do próximo em dificuldade” (nº 2).

“A opção de prestar atenção aos pobres, às suas muitas e variadas carências, não pode ser condicionada pelo tempo disponível ou por interesses privados, nem por projetos pastorais ou sociais desencarnados.

Não se pode sufocar a força da graça de Deus pela tendência narcisista de se colocar sempre a si mesmo no primeiro lugar” (nº 3).

“‘Estende a mão ao pobre’ é, pois, um convite à responsabilidade, sob forma de empenho direto, de quem se sente parte do mesmo destino. É um encorajamento a assumir os pesos dos mais vulneráveis” (nº 8).

“Assumir os pesos dos mais vulneráveis” é ter compaixão, como Jesus, das pessoas cansadas e abatidas.

Queremos ressaltar que a nossa compaixão com os pobres, com as pessoas cansadas e abatidas, vai além da caridade assistencial. Passa necessariamente pela incidência política, para a conquista e a manutenção das políticas públicas, que garantam vida digna para todas as pessoas. Neste sentido o Papa Francisco na Evangelii Gaudium nos provoca dizendo:

“Os planos de assistência, que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas provisórias. Enquanto não forem radicalmente solucionados os problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira, atacando as causas estruturais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo e, em definitivo, problema algum. A desigualdade é a raiz dos males sociais” (nº 202).

Para defender e promover a dignidade humana e satisfazer as exigências da justiça, os cristãos e as cristãs devem assumir a dimensão política da fé cristã. A política entendida no sentido autêntico da palavra como a arte de promover o bem comum. O Concílio Vaticano II exortou os cristãos e as cristãs para que tivessem “consciência da sua vocação especial e própria na comunidade política” (Gaudium et Spes, nº 75e).

Os Bispos da América Latina afirmaram em Puebla (1979) que a dimensão política é constitutiva da pessoa humana; que a fé cristã valoriza e tem em alta estima a atividade política; que a política tem como objetivo promover o bem comum da sociedade; que o cristianismo deve evangelizar a totalidade da existência humana, inclusive a dimensão política ( cfr. números 513 a 520).

Uma atuação política para “promover o bem comum” e não o bem privado, de pessoas, de igrejas ou de grupos econômicos. Para nossa Igreja, um católico eleito ou uma católica eleita para algum cargo público no poder legislativo ou no poder executivo, no nível municipal, estadual ou federal, não vai ocupar estes cargos para defender os interesses de nossa Igreja. Pelo contrário, deve exercer sua função, para a qual for eleito ou eleita, para defender o bem comum, independente da igreja que participa e da opção política das pessoas.

No episódio recente da reunião virtual de alguns representantes de redes de televisão de inspiração católica com o governo federal, estavam presentes alguns deputados federais que se intitularam como sendo da “bancada católica”. Não é esta a orientação de nossa Igreja. Queremos que estes deputados eleitos pelo povo, como deputados federais, defendam o respeito à Constituição Federal, lutem pela preservação da democracia, apresentem e defendam projetos de lei que favorecem a vida, promovam a dignidade das pessoas, garantam a manutenção e ampliação dos direitos sociais, oponham-se ao que venha a favorecer à destruição do meio ambiente e perda de direitos já conquistados, especialmente pelos povos indígenas e quilombolas.

Político católico não existe para defender interesses da Igreja Católica, mas defender interesses de todos os cidadãos e de todas as cidadãs.

Este nome de “bancada católica” fica cheirando a interesses mesquinhos, a egoísmo. Acaba sendo um desvio de finalidade do cargo eletivo, tornando-se assim passível de cassação. Fala-se que no Congresso Nacional existe três bancadas que fazem muito mal ao povo brasileiro: a da Bíblia (evangélicos), a da bala (defensores do uso da violência armada para resolver os problemas sociais) e a do boi (defensores dos fazendeiros). Formam a chamada bancada BBB. Não queremos que deputados e senadores que sejam católicos, ampliem esta rede.

Queremos políticos católicos que se tornem servidores das pessoas cansadas e abatidas, dos pobres e excluídos.

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